terça-feira, 18 de junho de 2013

Direito e Antropologia: "Conhecer para saber fazer"!


            De início, “convém lembrar que o direito sempre se apresentou como ‘universal’, ‘abstrato’ e, portanto, ahistórico” (Neto, 2007). Responsável por direcionar as condutas individuais e coletivas, o Direito sempre buscou manter uma neutralidade diante dos conflitos e sujeitos de direito. Contudo, por muito tempo este mesmo sujeito de direito tinha um perfil: “homem, adulto, branco, proprietário e são” (Duprat, 2007). Eliminando-se assim grande parte da população: negros, mulheres, indígenas e comunidades tradicionais como os quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, entre tantas outras.

            Atentando-se as sociedades indígenas, desde os tempos da colonização, estas são menosprezadas e marginalizadas. Políticas indigenistas abusivas e que inferiorizavam o homem indígena sempre foram legisladas de forma natural e muito tranquila pelos governantes. A escravização indígena, pouco comentada e muito sonegada até os dias atuais, foi uma realidade profunda e terrível, com uso de “guerras justas” para justificar tais atos vis. A colonização ao contrário do que é descrito nos livros didáticos, foi construída sim, com o uso de muito trabalho e escravo, de muitos povos indígenas subjugados a tirania portuguesa. “Contraditória, oscilante e hipócrita”, para Perrone-Moisés(1998), esses são os adjetivos das políticas indigenistas coloniais, que poderíamos dizer que se apresentam até hoje.

            Assim sendo, este “caráter ineficaz ou francamente negativo das leis” (Pérrone-Moisés,1998) perdurou durante todo o século XIX. As políticas indigenistas não melhoraram em nada. Pelo contrário, na Constituição de 1824, para se ter uma ideia, não há nenhuma menção sobre os povos indígenas, deixando sob responsabilidade das províncias legislarem sobre essas comunidades. O que não é preciso ser nenhum estudioso da história para imaginar que foi um caos generalizado. Principalmente por dois fatores: primeiro, a questão agora era de terras e não mão-de-obra como anteriormente e, segundo, o século XIX é completamente heterogêneo. Este século começa no final da colônia, passa pelo império e termina no começo da república velha.

            Vale ressaltar que até a Constituição de 1988, sempre tutelados pelo governo, os povos indígenas continuamente foram taxados de incapazes e infantis, sendo papel governamental integrá-los a sociedade.

            Na República Velha, “preocupados” com os povos indígenas, a criação do SPI[1] vem para trazer alguma solução ao que fazer com estas comunidades. Menos agressivo teoricamente, era responsabilidade do órgão federal “dar-lhes condições de evoluir lentamente a um estágio cultural e econômico superior, para daí se integrar a nação” (Gomes, 1991). Mesmo passados, na época, 430 anos, o conceito de “selvagem” e pueril do indígena, ainda persistia.

            A criação da FUNAI na ditadura militar veio para “resolver a questão indígena de uma vez por todas” (Gomes, 1991). Bem, podemos perceber que isso não aconteceu. Nem para o mal, nem para o bem. Talvez o único papel da FUNAI em tempos ditatoriais foi estabelecer que as terras indígenas, que antes teoricamente, eram deles, passavam a ser um bem da União. Ordem que vale na atual Constituição de 1988.

            Pois bem, século XX, Guerras Mundiais, Ditaduras. Podemos resumir esse período em duas palavras: conflito e revolução. O mundo vive uma reviravolta de embates, tensões e manifestos. Movimentos esquerdistas, minorias marginalizadas, vão à luta! Dessa forma, após tantas mobilizações, Declarações, Convenções e Constituições foram estabelecidas “na tentativa de estabelecerem políticas pertinentes e respeitosas” (Beltrão, 2008).

            No Brasil, a promulgação da Constituição de 1988, a que estabelece nossas diretrizes vigentes é um exemplo de reconhecimento às minorias por tanto tempo marginalizadas. Ou poderia dizer: Sempre? Ainda?

Inovadora, suas políticas pautam na inclusão e reconhecimento da multiculturalidade brasileira. Ou seja, assume que dentro do Brasil há Brasis com diferentes olhares, pensamentos, crenças, lógicas. Diferentes culturas! Povos “que o direito preexistente à Constituição de 1988 não os contempla; ao contrário, sequer se apresentavam sujeitos em face dele” (Duprat,2007).

Assegurada a pluriculturalidade brasileira em sua Constituição, entende-se que as particularidades culturais e etnológicas sejam levadas em consideração nos desdobramentos jurídicos. E o que vemos, infelizmente é o oposto disso. Vemos operadores do direito despreparados, esquecendo-se que o Direito, com suas raízes puramente culturais, devem zelar pelo coletivo e pela pluriculturalidade, pois é Constitucional. Está lá em nossa Constituição! Nós conseguimos!

Deve ser levado em conta, que as comunidades indígenas possuem também sua forma de ver o Direito e possuem seu próprio direito. Possuem sua lógica, seus regulamentos, sua política e costumes e agora, finalmente, constitucionalmente, estes parâmetros serão ou deveriam ser levados em consideração!

É aí que vem a grande importância da Antropologia, que tem como papel fundamental compreender as particularidades dos diferentes sistemas culturais. Essa compreensão é importante para que os operadores do direito possam cumprir seu papel de maneira exata e justa. Distanciando seu olhar sempre tão etnocêntrico, e aproximando-se de um ponto de vista mais pluricultural. É necessária uma maior sensibilidade dos operadores do direito que a Antropologia saiu das discussões acadêmicas para a praxi jurídica. E ela é crucial para o reconhecimento e a concretização das definições constitucionais brasileiras. O direito deve dar o direito do direito a todos e não continuar a reduzi-lo a um grupo minoritário dominante. Isso agora, felizmente, é inconstitucional.

Para concluir, infelizmente, todos os direitos estabelecidos pela Constituição de 1988, que provavelmente sendo considerados “demais” pelos governantes, aos poucos vão sendo “ressalvados” ou criam-se Emendas Constitucionais que regridem todos os progressos que conseguimos. Grande exemplo é a PEC215, que estabelece “ao Congresso Nacional a demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e de áreas de conservação ambiental, que conforme a Constituição Federal são atribuições do Poder Executivo” (Santana,2013).


 
Referências Bibliográficas

BELTRÃO, Jane Felipe. Diversidade cultural rima com Universidade(s) ou conversa propósito de conviver e construir. EdUFPA, Série Aula Magna, No. 4, Belém, 2008.
 
CUNHA, Manuela Carneiro da. Política Indigenista no Século XIX. In:_______ (org.) História dos Índios no Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1998.

DUPRAT, Deborah. O direito sobre o marco da plurietnicidade/multiculturalidade. In: DUPRAT, Deborah (org). Pareceres jurídicos: direitos dos povos e comunidades tradicionais Manaus: UEA, 2007.

GOMES, Mércio Pereira. Os Índios e o Brasil. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1998.
 
MACHADO, Almires Martins Machado. Demarcação e conflitos: de sonhos ao oguatá guassú, a extensa caminhada em busca da(s) terra(s) isenta(s) de mal(es). In: Antropología & Derecho/CEDEAD, 2012.
 
NETO, Joaquim Shiraishi. A particularização do universal: povos e comunidades tradicionais em face das Declarações e Convenções Internacionais. In: NETO, Joaquim Shiraishi (org). Direito dos povos e das comunidades tradicionais no Brasil: declarações, convenções internacionais e dispositivos jurídicos definidores de uma política nacional. Manaus: UEA, 2007.

SANTANA, Renato. Disponível em: <http://www.inbrapi.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=167:pec-215-e-aprovada-mas-movimento-indigena-segue-mobilizado-contra-proposta&catid=35:noticias&Itemid=62> Acesso em: 18/06/2013.


[1]  Serviço de Proteção aos Índios. Criado em 1910 como Serviço de Proteção aos índios e Localização de Trabalhadores Nacionais e, extinto em 1967.

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