Quando se fala em Movimento Indígena temos que ter claro o seguinte: se há
mais de 300 povos diferentes, não haveria de ser apenas um movimento.
Diferentes visões, sistemas jurídicos, valores, podem se chocar e não seguirem
uma mesma linha de militância.
Para Baniwa,
“A história dos movimentos
indígenas contemporâneos pode ser organizada a partir de períodos e tipos de
agências que intermediavam as relações entre os povos indígenas e a sociedade
dos brancos.”[1]
Antes eram os órgãos competentes –
SPI, FUNAI – que intermediavam as relações entre povos. Hoje, pós-Constituição
de 88 com o reconhecimento da capacidade civil indígena, os grupos tem se organizado
de forma mais autonôma, através de associações e reforçadas com a ajuda de
organizações particulares, não
governamentais, pró-índio. Os movimentos indígenas
desde então passaram a estar associados aos movimentos sociais que eclodiram ao
longo da década de 80, no Brasil. Esses movimentos são importantes para a
compreensão das novas políticas indigenistas nacionais, no qual as populações
indígenas cada vez mostram sua autonomia na construção de seus próprios
processos históricos. Esses movimentos vem destituir a imagem presente até o
Estatudo do Índio de 1973, em que eram considerados relativamente incapazes. Além de defender seus direitos com suas
próprias vozes.
Os movimentos sociais juntamente com os movimentos
indígenas, já conquistaram leis e efetivação de direitos. É o caso, por exemplo,
dos que lutam pela proibição da polêmica prática do infanticídio. Religiosos,
quase sempre evangélicos, juntamente com indígenas de determinadas etnias que
não concordam com a prática do infanticídio tem seu próprio movimento. A
aprovação do PL 1057/2007, mais conhecido como Lei Muwaji[2], é o exemplo
das pressões exercidas por um desses grupos. Contudo, há os movimentos que lutam
para que suas práticas e crenças continuem sendo respeitadas e que haja uma
maior autonomia em seu território.
Assim, Helm[3]
afirma que, “a Carta de 1988 (...) reconheceu o direito à diferença. A
ideologia da integração constou dos textos anteriores, sendo substituída pelo
reconhecimento de que os povos indígenas são distintos (...)”. Portanto, essa
pluriculturalidade deve ser levada em conta e principalmente ser compreendida quando
observamos os diversos movimentos indígenas que existem atualmente no país.
Para Turón, “o protesto indígena continua sendo variado, visto que nem todos os
povos indígenas foram subjugados pela mesma força, nem ao mesmo tempo”[4].
“Segundo
a pesquisadora (Poliane Soares dos Santos Bicalho), as lideranças indígenas
dispensam porta-vozes e passam a falar por si mesmas. Uma mudança que pode ser
verificada no aumento das organizações indígenas: Em 1995, uma pesquisa do
Instituto Socioambiental revelou a existência de 109 entidades. Em 2001, eram
318. Já em 2009, a pesquisa da UnB encontrou 486 organizações que lutam pelos
direitos indígenas no Brasil.”[5]
Voltando
a refletir sobre os apontamentos de Baniwa, uma das maiores dificuldades para
as comunidades indígenas hoje é se organizarem de acordo com o modelo
burocrático do branco. Ou seja, “os processos administrativos, financeiros e
burocráticos”, pelos quais as comunidades indígenas tem de se submeter para a
concretização de seus direitos, “além de serem ininteligíveis à racionalidade
indígena, confrontam e ferem valores culturais” desses povos “como
solidariedade, generosidade e democracia”[6].
Todavia,
as lideranças indígenas tem mudado seu perfil, antes eram apenas mediadores
entre a sociedade indígena e não indígena, hoje, cada vez mais precisam
capacitar-se numa educação formal para estar a frente desses processos burocráticos.
Para Oliveira, as lideranças indígenas
“ampliaram suas funções, tendo hoje uma
demanda cada vez mais intensa, não só para divulgar as necessidades de suas
comunidades, mas negociar políticas e projetos em áreas específicas (a exemplo
de saúde, educação, etnodesenvolvimento, meio-ambiente), inserindo-os na lógica
de exigências formais dos projetos, relatórios e prestações de contas do
Estado, de ONGs e agências humanitárias internacionais.”[7]
De toda forma, é bom
deixar claro que grau de capacitação e educação formal não é item de exclusão
na escolha das lideranças. Mas o que podemos perceber é o amadurecimento dessas
lideranças, cada vez mais autônomas e, principalmente, mais a frente das
defesas de seus direitos, sem intermediários.
Fortalecendo assim sua presença no cenário político e nacional.
[1] BANIWA, Gersem.
A conquista da cidadania indígena e o
fantasma da tutela do Brasil contemporâneo. In: RAMOS, Alcida Rita (org). Constituições Nacionais e Povos
Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. P.207
[2] Uma suruwahá que
“decidiu abandonar seu povo para poder manter viva sua filha que sofre de
paralisia cerebral. Hoje Muwaji vive na "Casa das Nações", uma
comunidade indígena multicultural mantida pela ATINI no Distrito Federal.”
Disponível em: <
http://www.apmt.org.br/index.php/central-de-noticias/937-lei-muwaji-aprovada>
Acesso em: 26/11/2013.
[3] HELM, Cecília
Maria Vieira. A Etnografia, a Perícia e
o Laudo Antropológico nos processos judiciais. Cadernos da Escola de
Direito e Relações Internacionais, Curitiba, 15: 5-17. Vol.1.2009. p.6.
[4] TURÓN, Simeón
Jiménez. O papel aguenta tudo. In: RAMOS, Alcida Rita (org).
Constituições Nacionais e Povos Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
P.23
[5] FULNI-Ô,
Amazonir. Pesquisa recupera história do
movimento indígena no Brasil. Disponível em: < http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=65:pesquisa-recupera-historia-do-movimento-indigena-no-brasil&catid=16:historia>
Acesso em: 23/11/2013.
[6] BANIWA, Gersem.
A conquista da cidadania indígena e o
fantasma da tutela do Brasil contemporâneo. In: RAMOS, Alcida Rita (org). Constituições Nacionais e Povos
Indígenas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. P.219
[7] OLIVEIRA, Kelly
Emanuelly de. O Movimento Indígena no
Nordeste: novos diálogos na construção da alteridade étnica. Disponível em:
< http://www.coletiva.org/site/index.php?option=com_k2&view=item&id=39:o-movimento-ind%C3%ADgena-no-nordeste&tmpl=component&print=1
> Acesso em: 25/11/2013