*parte do artigo escrito juntamente com Maiara Cordeiro
Awê
Pataxó é
água da chuva
batendo
na terra, nas pedras,
e indo
embora para o rio
e o mar.[1]
Txôpai,
o Deus guerreiro e da água, é a principal divindade na cosmologia Pataxó. Ele
foi o primeiro a viver na terra e aprender tudo sobre ela, desde sua fauna a
sua flora. Quando os Pataxó surgem é ele quem vai ensinar toda a sabedoria da
mata.
Os Pataxó possuem
um conhecimento acurado sobre a terra e os diferentes ambientes de seu
território. A percepção e o conhecimento que os Pataxó possuem dos ambientes é
fruto de uma longa história de relação com os diversos seres e entidades que
coabitam com eles os espaços, conhecimentos que se originam não apenas da
experiência produtiva na busca por alimento, mas de uma vivência emotiva de
reflexão e de experimentação que gera uma relação de responsabilidade e
pertença ao território.[2]
Filhos
das águas, os Pataxó contam sua origem evidenciando a sua relação estreita com
a mesma[3].
O próprio nome PATAXÓ sugere o barulho das águas do mar no ir e vir das ondas.
De acordo com Paes[4],
entre os povos indígenas do tronco linguístico macro jê, a água é um elemento
identificado com características propiciatórias para o desenvolvimento tanto
físico quanto psíquico. Carneiro da Cunha[5] afirma que “a água marca o amadurecimento rápido e a inserção na
sociedade, o banho de rio assinala, entre várias tribos[6] jê, o fim do luto e da reclusão dos matadores, que assim retornam à
sua vida social”.
O presente artigo é um ensaio sobre a
relação dos Pataxó com a natureza. Destacando o mito da Amesca, uma árvore de
grande importância cultural e cosmológica – com propriedades que servem tanto
no cotidiano da aldeia quanto para os momentos ritualísticos – e a sua relação
direta com a Festa das Águas, um dos rituais mais importantes para a cultura
deste povo. Vale ressaltar que na atual conjuntura os Pataxó passam por um
processo de resignificação e reafirmação de sua identidade..
Este estudo teve participação significante de
Tamaru, professor de cultura na aldeia Geru Tucunã. No qual, contribuiu para a
compreensão desta relação imprescindível da amesca e a comunidade. Devemos
destacar que por conta de sua sacralidade algumas informações são omitidas para
estudo ou para não indígenas, sendo reservados apenas para o grupo. Assim
garantem a preservação de seus
aspectos culturais mais íntimos para as gerações futuras, pelo bem da cultura e
memória Pataxó.
Cacique Bayara - Aldeia Geru Tucunã
A Luta atual
A mobilidade espacial dos Pataxó era
um elemento muito forte na cultura. Não estabeleciam aldeias por mais de três a
quatro meses. Nayara Pataxó[1]
deixa bem claro que conhecedores das matas e de seu território não passavam
fome. Entretanto, com o tempo todas as terras foram sendo invadidas, as matas
foram sumidas devido ao desmatamento. O aldeamento forçado de 1861 também
transformou os aspectos culturais dos Pataxó.
Assim como muitas outras etnias
indígenas brasileiras, os Pataxó também sofreram com o processo de integração
nacional como outras pressões que ameaçaram seu povo, foram expulsos de seus
territórios e procuraram se readaptar para sobreviver. “Por meio da elaboração
e execução de diferentes políticas indígenas, possibilitando aos índios a
reelaboração de sua cultura, a reconstrução de suas identidades, a ampliação de
suas redes de solidariedade e a sua permanência física e cultural enquanto
grupo social”.[2]
Com a constituição de 1988 o cenário
político se torna mais favorável para os direitos das minorias, é vista como um
marco histórico no âmbito do surgimento dos movimentos indígenas brasileiros e
a busca por autoafirmação de sua identidade étnica.
Levando em consideração o caso os
Pataxó “vivem um momento de reelaboração dos “traços culturais”, que remetem a
um passado comum, às continuidades e descontinuidades da narrativa histórica
construída em torno do contato com a sociedade envolvente”.[3]
Dessa forma um dos marcadores étnicos
mais importantes da cultura Pataxó é a utilização da Amesca.
Defumando com Amesca
Onde há Pataxó, há Amesca
Nem
que seja um pouquinho, nem que seja uma árvore. A Amesca é uma planta
insubstituível na Cultura Pataxó. Tamanho é seu grau de importância que sua
utilização vai desde o uso cotidiano a suas práticas sagradas. Tão relevante
que existe até um mito sobre sua origem.
A Amesca era uma
índia pataxó que desde criança foi escolhida pelo seu povo para ser uma grande
guerreira, por isso ela não podia se casar e ter filhos. Passados muitos anos,
Amesca cresceu e se tornou uma jovem muito bonita e logo se apaixonou por um
índio que também era Pataxó. Logo Amesca engravidou e até então estava tudo
bem, mas com o passar do tempo, Amesca descobriu que estava grávida de gêmeos.
Segundo os mais velhos da sua aldeia, quando uma índia ficasse grávida de
gêmeos teria que sacrificar um dos dois, pois acreditavam que um deles viria
para praticar o bem e o outro para fazer o mal. Amesca não queria que seu filho
morresse e então passou os nove meses chorando e pensando no que ela iria fazer
para salvar seu filho. No dia do seu parto, Amesca deu à luz aos seus dois
filhos e morreu. Assim, os mais velhos acreditaram que a maldição morreu com
ela e que seu filho estava livre da maldição. Então o seu povo enterrou Amesca
e foi embora daquele lugar. Passou-se muito tempo até que os Pataxó voltaram ao
lugar onde tinham enterrado Amesca e em cima do seu túmulo viram que tinha
nascido um grande pé de árvore. Eles colocaram o nome dessa árvore de Amesca.
Essa árvore soltava uma resina branca parecida com uma lágrima e dava duas
frutinhas grudadas e muito doces. Os índios logo observaram que essa resina era
as lágrimas da índia e que os frutos eram os seus filhos gêmeos.[1]
Ensinado
pelos antepassados, todos da aldeia a utilizam e em tudo se aproveita da
Amesca: suas folhas, seus frutos, a resina que a planta produz. Segundo Tamaru[2],
professor de Cultura da Aldeia Geru Tucunã, ela pode ser encontrada “em duas
qualidades: uma solta só um pó preto e a outra resina”, que pode ser branca ou
preta. A mais utilizada é a que solta a resina branca.
Como uso medicial, de suas folhas se faz chá, a
própria resina quando dissolvida na água é boa para gastrite. A “seiva serve para combater dores de cabeça, dor de
dente, sinusite, dor de barriga e outros”[3].
Outro uso é na lamparina, nas comunidades que não tinham ou não tem acesso à
energia elétrica. Seus frutos servem de alimento e são muito saborosos. O
artesanato também a utiliza para a confecção de pequenos objetos que servem
como ornamentos para enfeitar a casa, que são vendidos principalmente para
turistas e pessoas que visitam a aldeia.
Mas, sobretudo, o uso da
seiva da Amesca, a resina, é utilizado em práticas de incensar: nas orações
para proteção dos encantados da mata e também nos rituais sagrados para chamar
os espíritos bons e guerreiros para dentro da Aldeia e principalmente, para uma
limpeza espiritual. Como afirma Tamaru,
“sem o cheiro da Amesca não tem ritual”. E são vários os rituais sagrados que a
utilizam, como a importantíssima Festa das Águas, o Awê, rituais de pajelança,
entre outras. Até as parteiras utilizam dessa tão significativa planta nos
trabalhos de parto. Tão considerável que “um dos cuidados com a casa
consiste na defumação, que pode ser tanto com plantas sagradas encontradas nos
quintais, como com capim aruanda encontrado, ou com a amescla.”[4]Utilizada também como fumo ritual, outras plantas
são adicionadas ao cachimbo, o capim de aruanda, alfazema, alecrim e amburana.
A Festa
das Águas
Todo ano no
mês de outubro a comunidade Pataxó se reúne para um dos mais essenciais rituais
de sua cultura: A festa das águas. Cacique Romildo[5], deixa claro que desde seus antepassados essa
festa ritualística e sagrada já era realizada. É um momento de evocação dos
espíritos bons e guerreiros da Mata, onde os protetores da floresta, como o Pai
da Mata e Hamãy vem à aldeia e é um momento de agradecer e comemorar o tempo da
colheita a Txôpai - Deus das águas.
Na Festa das Águas, o uso da Amesca é indispensável, pois ela é utilizada para a purificação do espaço e dos corpos presentes. Outro grande destaque é a figura do pajé, que fará a ligação aldeia – mundo espiritual. O uso da Amesca, como descrito anteriormente, é de extrema importância por ser a partir dela a vinda dos espíritos bons e guerreiros da mata para comemorar juntamente com a Aldeia. Funciona como um sinalizador que os Pataxó possuem para atrair os espíritos a se achegarem.
Vale ressaltar que eles são um povo que tem uma
estreita relação com a água, tanto que sua principal divindade é o Deus das
Águas, ademais a sua própria origem está na água. A escolha do período, além de
ter relação com os antepassados também associa-se ao fato de ter ser tempo da
colheita, como relata Cacique Romildo, “é o início das águas, início de novas
vidas, início da fartura”. Dessa forma podemos perceber como a cultura Pataxó
está intimamente ligada com a natureza, o meio ambiente e os seres encantados
que o circunda. Os Pataxó utilizam da própria natureza (a Amesca) para poder
entrar em contato com todos os outros mundos (cultura) e assim manter a
harmonia entre animais, espíritos da mata e encantados. Não há outro modo de
viver Pataxó que não esteja relacionado com a ligação Natureza – Cultura.
A realização do rito promove a transmissão cultural
às gerações futuras. Atualmente a cultura Pataxó é mantida e fortalecida
através dos rituais e momentos culturais na aldeia. Reafirmando que o povo
Pataxó existe e resiste, mesmo com todo o histórico de desapropriação de seu
território, quando na década de 60 tinham sido dados como extintos ou
totalmente “integrados” a nação. Contrariando assim a afirmativa de Darcy
Ribeiro[6].
ONDE HÁ PATAXÓ, HÁ AMESCA
[1] Povo Pataxó. Inventário Cultural Pataxó: tradições
do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Bahia: Atxohã / Instituto Tribos Jovens
(ITJ), 2011. Pags.97,98
[2] Informações
cedidas por Tamaru, professor de Cultura na Aldeia Geru Tucunã, em conversa
realizada no dia 20 de outubro de 2013, por celular.
[3] Idem. P.60
[4] Cardoso, Thiago
Mota; Pinheiro, Maíra Bueno(Orgs.). Aragwaksã: Plano de Gestão Territorial do
povo Pataxó de Barra Velha e Águas Belas.- Brasília:
FUNAI/CGMT/CGETNO/CGGAM,2012.p.46
[5] Festa
das Águas – Pataxó. Entrevista com Cacique Romildo, Vice Cacique Soin. 3’20”.
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=DsBWUgMJKbE. Acesso em 21 outubro 2013.
[6] RIBEIRO, Darcy. Os índios e a
civilização. Editora Vozes LTDA, 1968. P.92.
A LUTA ATUAL
[1] Índios
Pataxós e a terra do descobrimento. Direção: Paula Saldanha, Roberto Verneck.
Produção: Pedro S. Werneck. Documentário, 25’26”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Vblr6PrWYs4.
Acesso em 20 outubro de 2013.
[2]Povo Pataxó. Inventário Cultural Pataxó: tradições
do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Bahia: Atxohã / Instituto Tribos Jovens
(ITJ), 2011. P.15.
[3] Llanes Guardiola,
Carolina. Autoridades, Lideranças e Administração de Conflitos na Aldeia Indígena
Pataxó de Barra Velha, Bahia / Carolina Llanes Guardiola, UFF/ Programa de
Pós-Graduação em Antropologia. Niterói, 2011. p.25
INTRODUÇÃO
[1] PATAXÓ,
Kanátyo. Itôhã e Txôpai. Programa de implantação das escolas indígenas de
Minas Gerais. SEE/MG Belo Horizonte, 1997
[2] Cardoso, Thiago
Mota; Pinheiro, Maíra Bueno(Orgs.). Aragwaksã: Plano de Gestão Territorial do
povo Pataxó de Barra Velha e Águas Belas.- Brasília:
FUNAI/CGMT/CGETNO/CGGAM,2012.p.37
[3] Há dois mitos sobre a origem: um
está presente no livro de referência nº 1 e o outro está em Povo Pataxó. Inventário Cultural Pataxó:
tradições do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Bahia: Atxohã / Instituto
Tribos Jovens (ITJ), 2011. P.104
[4] PAES, Francisco
Simões. Rastros do espírito: fragmentos para a leitura de algumas fotografias
dos Ramkokamekrá por Curt Nimuendaju. Rev. Antropol. [online]. 2004, vol.47,
n.1, pp. 267-307. ISSN 0034-7701.
[5] CARNEIRO DA CUNHA, Manoela. Lógica do mito e da ação: o movimento messiânico canela de 1963. In: Antropologia do Brasil, São Paulo,
Brasiliense.1987. p. 34
[6] Grifo
nosso. O termo “tribo” não é mais utilizado desde a Convenção 169 da OIT,
entretanto o texto original utiliza-se dessa palavra.
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