segunda-feira, 18 de novembro de 2013

"Direitos" e Povos Indígenas





As legislações estabelecidas aos povos indígenas sempre foram, parafraseando Perrone-Moisés (1998), “contraditórias, oscilantes e hipócritas”, não só em tempos de colonização e mornaquia, mas até hoje. A Constituição Cidadã de 88 é um marco nas conquistas dos povos indígenas em questões juridícas. Pela primeira vez a pluriculturalidade é afirmada e o direito e respeito a ela é estabelecio. Entretanto, o que vemos é o despreparo dos operadores de Direito em relação ao trato desses mesmos direitos. Não só dos operadores do direito, como dos próprios governantes, deputados, políticos que tem lançado projetos de lei e leis complementares que ferem diretamente o capítulo constitucional dedicado especialmente “aos índios”.
O artigo 231 deixa claro que são reconhecido as populações indígenas seus costumes e direitos sobre a terra que tradicionalmente ocupam. Mas como colocar em prática esses direitos constitucionais preservando os direitos originários?
Curi (2012), em seu artigo caracteriza as diferenças entre o Direito Positivo, estabelecido pelo Estado e o Direito Consuetudinário, ou seja, o conjunto de normas tradicionais e costumeiras de uma determinada sociedade. A importância de diferenciar esses dois sistemas jurídicos contribui para maior entendimento quando se diz respeito a processos jurídicos que envolvem comunidades tradicionais, especialmente as indígenas.
A antropologia aliada com o direito oferece provas para a constituição e prática do direito sobre as populações indígenas. Helm (2009) nos chama a atenção para a importância do laudo antropólogico e de como o direito e a antropologia devem se aliar para a concretização das leis e tratados já constituídos sobre as comunidades tradicionais. O direito a terra e o direito penal são os mais discutidos e não rara as vezes os mais mal interpretados. Digo mal interpretados pois, o texto normativo é pasível de interpretações equivocadas, o operador do direito deve se atentar a isso, particularmente quando se trata de comunidades indígenas.
Diferentemente do que a maioria da população e o próprio judiciário pensa, as populações indígenas possuem seus sistemas judiciários, suas normas sociais. Nas comunidades indígenas não se separa “o aspecto social do aspecto jurídico” (Curi, 2012, p.236), seu sistema normativo está intimamente ligado com sua cosmologia e sua vivência no dia-a-dia. É preciso atentar para que o Direito Positivo não passe por cima dos Direitos Consuetudinários. Entretanto, já na Convenção 169 da OIT é afirmado que deve-se respeitar o direito costumeiro contanto que ele não fira o direito estabelecido internacionalmente, base para a discussão do infanticídio, por exemplo. Holanda (2008) já perguntou: “Quem são os humanos dos direitos?”. Seguindo o raciocínio de Helm (2009, p.10), “a antropologia e o direito, cada qual como um domínio do saber, contribuem para a eficácia dos Laudos Antropólogicos”, que por sua vez contribuem para a efetiva legislação pluricultural sobre os povos indígenas.
Voltando a Holanda, “os direitos indígenas, sobretudo o direito à diferença, só poderão ser garantidos por meio da superação do pensamento jurídico moderno e de sua ficção monista, que supõe o Estado como único produtor de juridicidade”. Afinal, os povos indígenas possuem determinadas visões de mundo completamente diferentes das definidas pelo Estado ou órgãos internacionais. E são cosmologias muito mais profundas, complexas e arraigadas no seio das sociedades que as contém do que se possa imaginar. O próprio conceito de “vida” abordado por Holanda em seu trabalho nos ilustra perfeitamente, pois a concepção de vida, quando a vida começa, se difere entre as sociedades.
Para concluir, Villares (2009, p.15) nos atenta que não há ainda um ramo independente do Direito para um Direito Indigenista. Consinto e afirmo em dizer que não há como ter um Direito Indigenista, visto que há “direitos” e povos indígenas. Por isso, a reflexão jurídica deve ser interdisciplinar para a prática desses direitos (Stefanes Pacheco, 2010, p.1789). É necessária uma maior sensibilidade dos operadores do direito que a antropologia, a sociologia, estudos ambientais, entre tantos outros, saíram das discussões acadêmicas para a praxi jurídica. E essa discussão interdisciplinar é crucial para o reconhecimento e a concretização das definições constitucionais pluriculturais brasileiras.


Referências
CURI, Melissa Volpato. O Direito Consuetudinário dos Povos Indígenas e o Pluralismo Jurídico. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v.6, n.2, p. 230-247, jul./dez. 2012.
HELM, Cecília Maria Vieira. A Etnografia, a Perícia e o Laudo Antropológico nos processos judiciais. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, 15: 5-17. Vol.1.2009
HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos?: sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia)-Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1998.

STEFANES PACHECO, Rosely A. Povos Indígenas, Direitos e Proteção Ambiental: alguns apontamentos sobre a questão ambiental e povos indígenas a partir de uma análise interdisciplinar. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE nos dias 09 a12 de junho de 2010.

VILLARES, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009. 350p.

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