Quando penso como aprendi sobre o
que era o “índio”, me recordo de fazer colar de macarrão, um cocar com recortes
de papel A4 e cantar aquela velha canção dos indiozinhos no bote – passados 20
anos, essa mesma metodologia de ensino prevalece. Se houve um conhecimento mais
aprofundado sobre os povos indígenas na minha época de ensino básico, foi
através dos inúmeros títulos que minha mãe, uma devoradora de livros, me presenteava. Tinha um apego singular pela
literatura de temática indígena. Um dos meus livros preferidos é Cem noites tapuias, apesar do “inimigo”
ser os Xavante que raptavam pessoas, havia muito mais ali do que em qualquer
ensinamento que eu dispunha em sala de aula.
Um indígena genérico - que adora
Tupã, constrói canoas, vive em oca, “selvagens”, “rudimentar” - é a imagem que
sempre foi transmitida dentro e fora da escola. Evidencia-se com episódios,
como “Juca Pirama” do Sítio do Pica Pau Amarelo e nas campanhas publicitárias. Pouco
se analisa a vida dos povos indígenas, reproduzindo e promovendo sempre um
mesmo estereótipo erroneamente (Coelho, 2007). O que é lamentável nisso tudo é
a contribuição para estatizar a história do indígena e até mesmo promover o
preconceito que há muito já deveria ter sido abolido.
Analisar o papel que o indígena possui
na história e nos livros didáticos é decepcionar-se com a realidade. O indígena
pouco aparece na história do Brasil, pra se ter uma ideia. Consta com sua
presença, de modo geral, no capítulo sobre a Pré História e depois só aparece
quando se trata da colonização do Brasil, Império e no início da República –
quando se analisa o nascimento do Brasil a partir das três “raças”: indígena,
negra e portuguesa. De repente, o indígena some! Não se menciona coisa alguma a
mais sobre eles.
Essa
presença quase que discreta dos povos indígenas nos materiais didáticos e na própria
história justifica-se pela historiografia adotada: privilegiando as grandes
potências e ignorando a dinâmica própria do continente americano (Grupioni,
1996). Considerando que antes da “invasão” portuguesa, existiam aqui, em terras
brasileiras, inúmeras nações com seus processos e agentes históricos, é
necessário compreender a importância de resgatá-los e reconhecer que essas
tramas históricas também fazem parte e são verdadeiros instrumentos para a
compreensão histórica sobre nosso país e nossa própria identidade nacional.
Entretanto, o marco inicial para os estudos da história do continente americano
é a chegada dos europeus. Eles, por sua vez, são os protagonistas dos livros
didáticos e tudo se desenvolve a partir deles.
Como
dito anteriormente e feita a análise em alguns livros didáticos, fala-se sobre
os nativos americanos de forma superficial, dá-se mais atenção aos grandes
impérios da América Espanhola,
ignorando as nações de organizações tribais (Petta, 2005). Este entendimento deve-se
pelo fato de classificar o desenvolvimento das nações – os Incas, os Maias e os
Astecas, por sua vez, seriam mais “desenvolvidos” que os outros povos. De todo o
modo, a historiografia e a antropologia vêm desmistificando esse pensamento de escala evolucionista adotada durante
séculos, compreendendo assim as particularidades dos
diferentes sistemas culturais, desviando o olhar sempre tão etnocêntrico,
aproximando-se de um ponto de vista mais pluricultural. A Academia desenvolve
cada vez mais estudos pautados por essa ótica, o que falta agora são os livros
da educação básica começarem a adotar essa perspectiva.
Para estabelecer a obrigatoriedade do ensino da História Indígena
nas escolas, o governo sancionou a lei número 11.645/08, alterando a lei
10.639/03 que estabelecia apenas o ensino da História Afro-Brasileira. Juntas,
modificaram a lei 9.394 que regulamenta as diretrizes e bases da educação
nacional. A legislação diz que as histórias africanas e indígenas devem ser
ministradas no âmbito de todo o currículo escolar. Acontece que aí temos um
problema a ser analisado: o despreparo dos nossos profissionais da educação. Analisar
a História Indígena compreende muito mais do que fazer alguma comemoração
genérica no dia 19 de abril.
É preciso questionar principalmente os livros didáticos e o modo
como o papel do indígena aparece. A construção simplificadora e estereotipada
que a historiografia tradicional e os livros da educação básica reproduzem
(Souza Lima, 1995) necessita ser revisada. Papel fundamental do educador que
lida todos os dias com o material didático é questioná-lo e além, publicar
esses questionamentos, dar voz a esse descaso.
O material didático deve ser urgentemente analisado, questionado e
ter suas mudanças de acordo com as leis regulamentadoras do ensino. Por quê?
Qualquer educador sabe que na maioria das vezes, a única leitura que o aluno propõe-se
a ler é a do livro didático. Muitas vezes alheio ao que o professor fala em
sala de aula, só estuda para a prova através do próprio livro didático. E o
mesmo deve garantir o encontro do discente com a própria história, formar um
cidadão crítico, pensante, que sabe analisar que não é só o vencedor que faz a
história, que todos os povos são produtores e, principalmente, agentes
históricos, entender o presente, refletir sobre a atual conjectura nacional e o
universo que se é inserido.
Infelizmente, o estudo da História por muitas vezes não é interessante
para o aluno por ser muito fora de sua realidade. A maneira como se é
ministrada a matéria em sala de aula, a maneira como é feita a leitura da
história nos materiais didáticos é deveras maçante. Até pra mim, historiadora e
louca por histórias. Paulo Freire já dizia, qualquer que seja a matéria
ministrada é necessário inseri-la na realidade do aluno e não o contrário.
De todo modo, com o estabelecimento da lei 11.645, a tendência é
melhorar cada vez mais os materiais didáticos e produções mais reflexivas sobre
o povo brasileiro.
Mas por enquanto, o que pode-se notar é a ausência de reflexão
sobre os povos indígenas antes, durante e após o período português em terras
brasileiras. “De acordo com Ronaldo Vainfas, a história indígena é uma história
de enganos e incompreensões” (Ferreira, 2005): uma história de
ausências. Lacunas históricas que devem ser preenchidas.
Refletir sobre a criação de cada um dos órgãos responsáveis pelos indígenas, a história indígena em si, desde a época da escravidão até os dias atuais, nos leva a
questionar temas como: território indígena, autonomia indígena, saúde e
educação indígena. Esse descaso pelas comunidades tradicionais reflete e muito
na história delas. São brasileiros como nós, mas sempre subjugados e impostos a
margem da sociedade. Se os próprios brasileiros não se importam com seus “irmãos”,
poderia o governo importar? Visto que o Estado somos nós e nós o construímos. E
é papel fundamental formar logo na base, a consciência crítica e política dos
futuros cidadãos. A importância de discutir a temática indígena em sala de aula
está aí: na formação de cidadãos e políticos conscientes do que é justo.
Referências:
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A Construção de um Agente Histórico Ausente. GT: Educação Fundamental / n.13.
GOMES,
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GRUPIONI, Luis Donizete
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PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os
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In: CUNHA, Manuela Carneiro da
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2.ed. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP,
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SILVA, Leonardo Soares Quirino da. Abolição da Escravidão Indígena: 1680 ou 1755? Disponível em: < http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0036.html> Acesso em: 08/08/2013.
SOUZA LIMA, Antonio Carlos. Um
Olhar sobre a Presença das Populações Nativas na Invenção do Brasil.
In: SILVA, Aracy Lopez da & GRUPIONI, Luiz Donisetti Benzi (Orgs.). A Questão Indígena na Sala de Aula. Novos
Subsídios para Professores de 1º e 2º Graus. 1 ed. Brasília: Mec, 1995. p.
407-419.
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